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notícias

ABIOVE | Tabelamento de fretes: quem pagará essa conta?


São Paulo, 10 de maio de 2019

André Meloni Nassar1 e Daniel Furlan Amaral2

No dia 11 de julho, foi aprovada a Medida Provisória 832, que instituiu a política de preços
mínimos de fretes e designou à ANTT elaborar uma tabela de preços, derivando daí a
denominação tabelamento de fretes.

A experiência brasileira permite analisar as intervenções do Estado na economia – a exemplo
da informalidade decorrente do tabelamento dos preços da carne nos anos 1980 e sua
ineficácia -, e antever que esta política terá o mesmo fim das demais. Ainda assim, cabe uma
reflexão sobre sua natureza, custos e benefícios já em sua breve existência.
A própria ANTT, em notas técnicas de 2015, afirmou que a multiplicidade de situações (idade e
tipo de caminhão, carga, condições da via etc.) impedem a aplicação de tabelas para
formulação de preços mínimos. A publicação e revogação de diversas resoluções em
curtíssimo prazo revela sua natureza política, e não técnica.

As boas práticas regulatórias determinam que a intervenção só se justifica quando há
concentração de mercado. Certamente não é o caso do transporte rodoviário de cargas, no
qual existem milhares de contratantes e ofertantes (autônomos, empresas e cooperativas de
transporte), o que caracteriza um ambiente de livre concorrência. Nesse sentido, o CADE e o
Ministério da Fazenda afirmaram que a MP impedirá a competição, levará à formação de um
cartel patrocinado pelo Estado com o fim de extrair renda dos usuários e conduzirá à perda de
eficiência do transporte.

Além disso, conforme a ANTT, em 2015, muitas operações economicamente viáveis a preços
de mercado se tornarão inviáveis com o tabelamento impositivo, o que estimulará a
informalidade em razão da incapacidade de o governo fiscalizar todo o mercado.
A sociedade também arcará com um custo de R$ 73,9 bilhões em distorções e redução da
massa salarial, especialmente da população de baixa renda, montante suficiente para concluir
quase todas as obras paradas no país em apenas um ano (OESP, 25/6/2018, B1).

Além disso, ANTT, em 2015, e CADE manifestaram entendimento de que preços mínimos
acima do mercado estimularão a entrada de novos ofertantes, o que agravará a pressão por
redução dos preços dos fretes no longo prazo e prejudicará os próprios transportadores.
Não suficiente, as compras antecipadas de soja e milho da safra 2019 estão em ritmo inferior
ao potencial diante do risco de frete, o que gera perdas diárias de R$ 27,7 milhões aos
agricultores. De acordo com as intenções de compras, até o momento foram suspensas as
aquisições de cerca de 8,4 milhões de toneladas de soja em negócios estimados em US$ 3,1
bilhões.

Essa modalidade de vendas traz consigo um pacote de serviços relacionados à logística,
proteção cambial e capital de giro fundamentais para o financiamento de cerca de 28% da
safra. A entrega de fertilizantes também será certamente onerada com custos bastante
superiores. Com elevação dos custos de produção e de escoamento, a safra de 2019 será
seriamente comprometida, o que levará a perdas incalculáveis para a produção animal,
exportações, empregos, renda e divisas internacionais. Os consumidores, especialmente os de
baixa renda, já sentem o aumento dos preços dos itens da cesta básica.

Infelizmente, o texto aprovado pelo Congresso literalmente proíbe qualquer negociação de
preços de fretes abaixo da tabela, algo inconcebível em uma economia de livre mercado na
qual entes particulares possuem o direito de comprar e vender serviços em condições
mutuamente aceitas.

Esses elementos foram analisados detalhadamente, Prof. Armando Castelar Pinheiro, da FGV,
que recomenda a revogação da política de preços mínimos, conclusão semelhante a que
chegou a Tendências Consultoria quando analisou, em 2016, o tabelamento da hora parada.
Com impactos dessa magnitude, a sociedade deve ser devidamente informada sobre quem
recairão os custos do tabelamento de fretes. Aguarda-se agora do Supremo Tribunal Federal a
palavra final sobre a constitucionalidade dessa política.
1
Presidente Executivo da ABIOVE.
2 Gerente de Economia da ABIOVE.